segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Texto escrito para a Revista da Mostra de Teatro da UFRJ

"Só não viu quem não quis"

Enquanto nos sentamos para escrever estas palavras, dois meses nos separam do momento em que elas serão lidas na revista da Mostra de Teatro da UFRJ. Mais dois meses de aprofundamento da pesquisa, de tudo o que nos aproxima e separa dela. Dois meses também definem o nosso tempo de ensaio até aqui. Parece adequado, portanto, neste ponto central da trajetória do processo, falar do motivo, da causa, daquilo que nos atravessa desde o princípio, sem adornos ou conclusões extremas.

Uma peça e um filme, contornados pelo ímpeto de alimentar, através de uma presença estética de outra ordem, uma nova experiência capaz de nos retirar da cegueira diante daquilo que o cotidiano urbano insiste em chamar de coloquial ou trivial. Tornar sensíveis os fluxos de gente, as trajetórias mecânicas que instauram a desatenção quanto ao que é marginalizado pelas políticas públicas e também pelo olhar do cidadão, o aumento das passagens de ônibus e os rasgos ocultos dos corpos vestidos. É diante da emergência dessas imagens naquilo que criamos enquanto artistas, no nosso trabalho diário, na função que exercemos, que podemos igualmente transmutar este fazer em ação civil. Quando o pensamento não cabe nele mesmo, nem na cena, nossa existência nos solicita novos deslocamentos sensíveis. Arrombar as geometrias e configurar novos espaços.

Para este efeito, o trabalho é composto por pesquisas individuais desenvolvidas em sala de ensaio, que, levadas para cenários externos a partir das propostas apresentadas pelos atores, são a força-motriz de um sistema de retroalimentação entre teatro e cinema, que vislumbra descortinar as interações éticas e documentais dessas diferentes formas de expressão artística, bem como fazê-las encontrar interfaces sustentáveis de criação coletiva, com atenção especial para as práticas performativas.

Nestes dois meses passados, nestes dois meses distantes, o que nos atravessa e nos torna responsáveis diariamente pelo trabalho que desenvolvemos vem da autonomia e da força das novas poéticas criadas a cada sala de ensaio, a cada dia de trabalho, através da força da voz da Juliana que denuncia nosso próprio fazer para nos questionar, do compromisso do Caio com verdades que deveriam ser óbvias expostas por uma vivacidade única, do engajamento do corpo do Rafa sem rodeios, da lucidez da Bel diante daquilo que deve ser dito, do movimento corajoso do Gunnar para derrubar as barreiras do encontro na cena, da sutileza comprometida do Alonso com nossos desejos, da brutalidade da Nina em prol dos atravessamentos, da precisão inocente do Danilo, da observação sensível da Nati capturando tudo, do Tom, do Shane, dos Porcos Militares, Natashas e Carmens, dos santos mortos, dos doentes, dos jovens, dos índios e, como dizemos na peça, dessa coisa da juventude de se doar. Não, da juventude não, do artista de se doar pra alguém, de se entregar de corpo e alma. Aliás, hoje foi o primeiro dia da minha sobrinha no balé, então, também tem dessas coisas.

Isadora Malta e Lucas Canavarro

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