quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Pequenas Causas


Boa noite. Hoje eu não vou fazer agradecimentos.

Antes de começar a coreografia eu vou fazer aqui um pequeno apelo:



"Uma Família. Feliz. Normal. Homem. Mulher. Filho. Cachorro. Há dez anos, Homem e Mulher estavam andando na rua quando viram uma ninhada de cães numa Pet Shop. Seis de esparadrapo no rabo. Um gritava e tentava pular para fora da caixa de vidro. Cachorro filhote de dois meses sabia que iam cortar o seu rabo em alguns minutos. Num salto, alcançou o chão e se escondeu nos pés da Mulher. Homem passou um cheque e pediu Mulher em casamento. Por 10 anos Cachorro abanou o rabo toda vez que Homem e Mulher chegavam em casa, sem nunca esquecer um dia, sem nunca abanar menos. Durante todo esse tempo não houve dúvida que amou e foi amado de volta. Quando Mulher ficou grávida, amigos íntimos alertaram que Cachorro ia sentir ciúmes, que era melhor se afastar por uns meses. Mas Homem e Mulher não acreditaram que o Cachorro poderia fazer alguma coisa. Homem e Mulher não tiveram coragem de dizer pro Cachorro que ele ia passar um tempo fora por causa do Filho. Quando voltaram da maternidade, o Cachorro abanava tanto o rabo, que derrubou tudo que estava em cima da mesa de centro. Há algumas semanas, o filho deu os primeiros passos segurando no rabo do Cachorro.
Pela primeira vez Homem e Mulher deixam Filho sozinho em casa com Cachorro. Rapidinho. O tempo de passar no mercado ou fumar um cigarro ou tomar um café ou trepar num beco ou deixar uma carta no correio. Quando chegam em casa, sangue espalhado pelo chão, marcas de unhas que arranharam o sinteco, cheiro de grito nas paredes. Cachorro chega abanando o rabo. Os dentes pingando vermelhos. Mulher cai de joelhos no chão, as mãos na boca. Homem corre até a terceira gaveta à esquerda embaixo dos panos de chão. Tira um revólver e acerta no Cachorro dois tiros. PÁ. O primeiro acerta em cheio a testa. PÁ. O segundo separa o cachorro em dois. O corpo morto que ficou estatelado no chão e o rabo que só parou de girar quando encontrou a parede. Homem e Mulher correm para o quarto do Filho. Filho no berço. Olhos arregalados. Um braço estendido para a Mulher, o outro sacudindo um chocalhinho de plástico. No chão, um Ladrão com metade das tripas para fora e o rosto deformado em grito. Hoje o Ladrão não roubou o Filho. Hoje o Cachorro matou o Ladrão. Hoje o Homem meteu duas balas no Cachorro. Hoje o rabo desenhou uma linha de sangue na sala da casa e só então parou de abanar."

Clarice Lissovsky

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